Pão, Circo e Hegemonia: Quando o Show Substitui a Política
Aparência sobre substância
Inicialmente, convém observar que, no último fim de semana, o governo Lula não apelou ao debate ideológico ou à persuasão de suas propostas progressistas — optou por mobilizar multidões via artifício: espetáculo.
Em vez de dialogar sobre cidadania, políticas públicas e justiça, resgatou o velho artifício do pão e circo. Mais precisamente, contratou shows, convocou artistas consagrados para subir em trios elétricos e cantar sucessos já batidos, esperança de cativar plateias por meio de nostalgia musical.
Reconhecimento tardio do paradoxo
Assim, tornou-se inevitável testemunhar um escárnio histórico: rostos que na década de 70 se apresentavam — e eram — engajados em lutas contra tiranias, agora defendem exatamente práticas que condenariam naquela época como deploráveis. Manipulação das massas, uso do entretenimento para anestesiar o questionamento, obstrução do pensamento crítico — eis o que outrora seria rejeitado; hoje é usado como ferramenta política.
Teoria Sociológica: Gramsci e hegemonia cultural
Neste sentido, as ideias de Antonio Gramsci ajudam a explicar o fenômeno. Para ele, hegemonia não é simplesmente dominação coercitiva, mas consenso fabricado, inserido na cultura cotidiana, nas instituições, nos símbolos — uma liderança moral e intelectual que se impõe como senso comum.
Deste modo, os governantes atuais do Brasil não necessariamente governam apenas por decreto, mas por meio de práticas culturais que modelam o imaginário social, fixam valores, definem comportamentos aceitáveis.
Igualmente importante é o conceito de intelectuais orgânicos, também de Gramsci, que são os agentes que, vinculados a grupos de poder, legitimam, difundem e organizam essa cultura hegemônica. Aqui, artistas famosos poderiam ser vistos como tais intelectuais: não necessariamente com consciência desse papel, mas potencialmente atuando como mediadores entre poder e população, enriquecendo o discurso dominante.
Teoria da comunicação: da anestesia ao molde de opinião
Ademais, a Teoria Hipodérmica, embora falha por não considerar variáveis como contexto social, e o papel de mediadores – capta a essência da manipulação imediata: a mensagem é transmitida de forma direta, e o público, como receptor passivo, reage sem reflexão crítica.
Nesse quadro, a multidão é atingida pela propaganda espetacular do governo como se recebesse uma injeção anestésica: responde com aplauso, mas sem consciência política.
Sob essa ótica, entra em cena a figura clássica do idiota útil: aquele que acredita estar contra o sistema, mas na verdade serve fielmente a ele. Esse tipo sociológico é o retrato acabado do boi de um gado de “rebeldes domesticados”, que, convencidos de estarem lutando contra a opressão, tornam-se, de fato, os mais eficazes reprodutores dela. Cantam, dançam e se agitam sob o som do trio elétrico, jurando estar defendendo a liberdade, quando na prática estão apenas servindo de biombo legitimador do poder.
Revolução passiva: o poder da continuidade dissimulada
Ainda, Gramsci cunhou o termo revolução passiva para designar transformações profundas que ocorrem sem choque brusco ou ruptura, adaptando-se ao tecido social existente, mudando de modo dissimulado para conservar o status quo enquanto aparenta inovação.
O espetáculo político brasileiro se enquadra perfeitamente: entretenimento substitui a participação, assistencialismo substitui emancipação, e o verniz cultural de “liberdade” cobre o concreto autoritário.
O espetáculo como dispositivo de pacificação
Consequentemente, quando o poder oferece ao povo entretenimento acompanhado de benefícios imediatos ou assistenciais, instala-se um modo de governação por pacificação: o povo recebe “o pão”, recebe algum conforto material limitado, e “o circo”, espetáculo que distrai, engaja emocionalmente, mas raramente mobiliza para mudanças profundas.
Todavia, há aqui um dado ainda mais grave: o espetáculo não apenas anestesia, mas também serve para legitimar os abusos cometidos em outras esferas do poder. O atual governo aplaudiu e endossou os excessos do Supremo Tribunal Federal, que incluem prender sem individualização da pena — requisito indispensável do Direito Penal; prender sem processo regular; permitir que um mesmo ministro fosse simultaneamente vítima, acusador e juiz; sustentar ministros militantes, motivados politicamente; censurar jornalistas por opiniões; multar empresas por não violarem a privacidade de usuários; impor multas por não acatarem medidas sequer previstas em lei.
Além disso, multiplicam-se as medidas do Executivo para restringir a liberdade de expressão e controlar a vida do cidadão:
- censura em redes sociais, sob o pretexto de combater fake news;
- utilização do DREX, moeda digital estatal que confere total visibilidade à vida financeira do cidadão;
- criação de grupos políticos para definir o que é ou não discurso democrático;
- contratação de influenciadores digitais para difundir conteúdo ideológico do governo;
- criação de agência estatal para fiscalizar e aplicar sanções a usuários e empresas de tecnologia;
- remoção de conteúdos na internet sem decisão judicial, em articulação direta com o STF;
- instrumentalização das escolas e universidades públicas como centros de doutrinação ideológica;
- destinação de verbas de pesquisa apenas para projetos alinhados à agenda hegemônica;
- parcerias internacionais obscuras, como a venda de terras, acesso a rios amazônicos e a venda da maior reserva de Urânio do Brasil, em Presidente Figueiredo (AM), para a China;
- estreitamento de laços políticos e econômicos com regimes ditatoriais, reforçando a contradição entre o discurso de defesa da democracia e a prática de cooperação com a tirania.
Ou seja, o espetáculo não é neutro: ele é parte de uma engrenagem de legitimação de medidas cada vez mais restritivas.
Cultura política, esquecimento e aparente paradoxo
Portanto, é irônico — e lamentável — observar pessoas que no passado denunciaram clientelismo, patrimonialismo e manipulação, hoje servirem como peças de um tabuleiro que deslegitima a liberdade em nome de um poder “progressista”. Pois, a tarefa política exige coerência, responsabilidade, compromisso com o bem público — não mero culto do espetáculo, nem servilismo a tiranos togados.
A naturalização da cultura dominante
Além disso, pelo aparato cultural (mídia, shows, música, presença de artistas influentes), ocorre uma naturalização do discurso político que favorece o governo. A população é convidada a aceitar certas narrativas como normais — discursos sobre censura ou “necessidades de ordem”, por exemplo — mesmo quando contradizem valores que muitos dos artistas propuseram no passado. Aqui reentra a hegemonia: não basta exercer poder coercitivo, é preciso que as pessoas interiorizem, voluntariamente, as crenças de legitimidade.
A arte, os artistas e a contradição ética
Entretanto, surge profunda contradição ética em artistas que desfrutam de reconhecimento e privilégios concedidos por regimes políticos e, em troca, participam da legitimação desse mesmo poder. Quando entoam letras antigas de liberdade, mas defendem censura e perseguição, revelam que o tempo não apenas lhes tirou o vigor da voz, mas também a memória moral.
Pois, aqueles que um dia clamaram por anistia agora a negam a idosos, mães, trabalhadores e cidadãos comuns, sem antecedentes criminais, sem armas, sem crimes graves — condenados por proximidade, por conveniência, por espetáculo. O que outrora chamavam de ditadura, hoje chamam de justiça.
Ou seja, o artista que já se exilou, que sofreu repressões, que acreditou em anistias, em perdão, em liberdade — se hoje se posiciona contra a anistia para presos políticos do 8 de janeiro, por exemplo —, está dizendo que certas liberdades dependem de quem cometeu o ato; está afirmando que a liberdade é seletiva, que princípios não são universais, mas condicionalmente aplicáveis.
Conclusão: a política precisa de deliberação, não de plateia
Finalmente, há de se reafirmar que, quando a política vira espetáculo, a deliberação pública empobrece. A cidadania deixa de participar de um debate de ideias para assistir a um show de promessas embaladas em canções. Quem controla o espetáculo, controla o poder.
Aliás, se a democracia exige participação, crítica e responsabilidade, que não sejamos entorpecidos pelo charme do show, pelo brilho do palco, pela voz famosa, pela falsa liberdade de refrões repetidos.
Mas, exijamos consistência, coerência, debate público real.
Pois, no fundo, o que está em jogo não é apenas quem canta melhor, mas que tipo de sociedade queremos: uma massa de idiotas úteis servindo de biombo para tiranos, ou uma comunidade política ética, consciente, emancipada.
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