Mudança e continuidade, a espiral do tempo

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Mudança e continuidade, a espiral do tempo…

Segundo o psicossociólogo, Eugene Enriquez, no seu clássico (Da Horda ao Estado / psicanálise do vínculo social)

“Os gregos antigos, antes do século IV aC, já reconheciam, como prova de inteligência ardilosa, os conjuntos cujos traços essenciais eram leveza e polimorfia, a particularidade daquilo que pode tomar formas diversas, duplicidade e equívoco, inversão e retorno.

Eles atribuíam valores ao curvo, ao tortuoso, ao oblíquo e ao ambíguo, em oposição ao reto, ao direto, ao rígido e ao unívoco.

Essa lógica de pensamento prevalece, central, no pensamento platônico.

Esse aspecto da inteligência aceita que o mundo esteja sempre em movimento, que os eventos se consumam no efêmero, que uma coisa possa ser única e múltipla, considera o mundo como definitivamente “encantado”.

Porém, o grego antigo sabia que o mundo está em mãos mais poderosas que as suas e tentava simplesmente não se acomodar ao mundo, mas brincava com ele e dele tirava prazer.

Sabia que se se opusesse seria derrotado, melhor seria tentar se aproveitar da força do mundo.

Portanto, tinha consciência de que as forças que atravessam o mundo e que também o atinge, que buscaria capacidade para sobreviver, amar e construir.

Para ele, não havia separação entre a sensação e a inteligência. Escutando os rumores e murmúrios da vida que brota em volta e em seu próprio interior, ele se constrói como ser paradoxal, como verdadeiro ser humano”.

A Mudança e continuidade…

Enríquez, ao analisar o estilo de vida do grego antigo, nos faz perceber o quanto a mudança contínua, que  ocorre desde as micro coisas até no infinito das galáxias impactam nossa vida, em todas as etapas de nossa jornada existencial.

A continuidade das mudanças, nos leva a tentar deixar de lado as amarras pesadas do passado.

Pois, sabemos que, como disse o sábio Heráclito, as águas passadas não voltam, se despejam nos oceanos e se misturam em ciclos contínuos de mudanças, até se transformarem em energias etéreas, assim como nós humanos.

Hoje sofremos o impacto maciço de informações que mais desinformam e nos deixam perplexos ante a tantas trilhas à nossa frente, que consumimos mais tempo em busca de decidir o próximo passo e somos levados pelo turbilhão dos acontecimentos, sem que possamos optar pela melhor oportunidade de escolha.

Então, o aparente conformismo do grego antigo revela que tinha muitas reflexões em sua alma filosófica, mas muitas variáveis que atualmente afligem a alma contemporânea.

E a quantidade de informações que o cérebro humano recebe consciente e subconscientemente  mostram que o dilema da pessoa neste século XXI – de profundas mudanças estruturais, em todos os espaços sociais e na percepção e discernimento da realidade, é profundo e desafiador.

A opressão institucionalizada…

De outro lado, o conhecimento desenvolvido pela ciência e a tecnologia ao dispor das instituições e pessoas é realmente avassalador, em todos os sentidos.

Desde a aplicação do saber e da técnica em prol do bem-estar social e individual, até na destruição que ocorre nas guerras e nas ações de crueldade humana, quer sejam violências físicas como psicológicas e tentativas de manipulação e desconstrução da identidade individual.

Ações essas perpetradas, ao longo dos séculos pelas instituições sociais, políticas, culturais e outras.

O dilema existencial do indivíduo – submetido a todo tipo de opressão institucional, leva a conflitos pessoais profundos.

E a busca da identidade individual que lhe dê a necessária liberdade de se expressar e construir uma jornada existencial que justifique sua passagem pela terra, torna-se um imperativo indispensável.

Sobretudo nesse período de intensas e amargas mudanças, nas quais todas organizações sociais, desde o estado até a família e o próprio indivíduo, são impactados por poderosas ações das aplicações institucionais de tecnologia, regras e controle sociais e psíquicos cruéis e até desumanos.

E a Espiral do Tempo

As experiências vividas  pelas pessoas nesse século XXI serão cada vez mais intensificadas por imposições tecnológicas e regras comportamentais que tenderão, paradoxalmente, a aprisionar os indivíduos, ao invés de promoverem sua emancipação existencial.

Nesse sentido, é fundamental a reflexão filosófica, de tal forma que promova saídas para os labirintos à vista, mediante imposições forçadas por instituições sobre o indivíduo e a tentativa contínua de coibir sua liberdade de expressão.

O desafio maior atualmente é de saber discernir entre as informações  reais e aquelas que tentam manipular as pessoas, induzindo-as a replicarem valores obsoletos e reificarem interesses que não são seus, mas impostos pelo poder daqueles que controlam as instituições.

Realmente saber navegar nesse oceano de contradições é um desafio fantástico à frente de todos nós.

Que possamos aprender um pouco da antiga sabedoria grega e darmos um salto qualitativo no nosso autoconhecimento!

 

Por Dr Antônio Flávio Testa, Sociólogo/UNB, Psicanalista e Cientista Político.

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